Pular para o conteúdo principal

Índios como solução aos desmandos dos negros.

Mesmo que alguns indígenas fossem vistos como “úteis”, para as autoridades coloniais a maioria deles não passava de bárbaros que atrapalhavam o desenvolvimento. Logo, era preciso retirá-los da região. Contudo, esta retirada era muito complexa e envolvia uma série de leis que quase nunca foram respeitadas.

Os quilombolas eram bandidos e propriedades fugitivas de alguém. Logo, poderiam e deveriam ser presos e ou exterminados. O índio era, de acordo com as leis, um ser que precisava ser respeitado e protegido pelas autoridades, desde que pacífico¹. O índio pacífico era um aliado em potencial e deveria receber melhores tratamentos² e os considerados indomáveis e “incivilizados” - leia-se incapaz para o trabalho nas fazendas – deveriam ser rapidamente exterminados ou expulsos para mais longe.

Uma das saídas encontradas para controlar os indígenas considerados mansos e que viviam espalhados por territórios propícios à agricultura ou à mineração, foi a utilização deles como elementos capazes de, sob certas condições, favorecer o povoamento e a colonização, através de seu uso como mão-de-obra e defesa do território, sempre atacado por outros índios ou por quilombolas.

Assim, determinados grupos indígenas teriam funções específicas a desempenhar no Projeto Civilizacional proposto pela Coroa. Com relação à repressão aos negros quilombolas, o papel dos indígenas seria de suma importância, uma vez que eles eram os maiores conhecedores do terreno.

Baseado nestas idéias, em 1714, o Rei D. João escreveu ao Governador e Capitão General de São Paulo e Minas Gerais dizendo ter recebido uma carta sua em que ele:

“... dá[va] conta do que achando a Comarca do Rio das Velhas, expostas as invasões de vários negros fugitivos e salteadores que desciam as estradas e a roubar os passageiros sem que os Capitães do Mato pudessem remediar este dano...”.³

O Rei afirmou ter gostado muito da solução proposta para acabar com os desmandos dos negros, ou seja, a criação de um aldeamento para os índios que viviam dispersos na região. Este aldeamento seria construído “junto à estrada que fica mais exposta” e os índios receberiam armas e auxílios de pessoas para acabarem com os quilombolas. D. João chamou a atenção do Governador de que ele não poderia colocar nestes novos aldeamentos índios que já tivessem sido aldeados em outros estabelecimentos, e que só deveria entregar-lhes armas nos momentos de grandes problemas. Cessando o fato, todas as armas deveriam ser recolhidas a fim de que outros tipos de conflitos não ocorressem.

Em 1718, o Conde de Assumar escreveu ao Rei dizendo que o tal aldeamento não havia sido feito porque o Governador não teria encontrado índios para povoá-lo e que portanto, a solução para acabar com os quilombolas da região ainda não havia sido encontrada, ainda que ele, Assumar, tivesse procurado “...dar toda a possível providência a este mal, [entretanto] como os negros fugidos são muitos, cada dia estão rebentando por diversas partes...”4

O Rei, entretanto, não havia desistido da criação de um aldeamento para por fim as excessos dos negros fugidos. Em 1719, enviou ao Conde de Assumar uma Ordem Régia5 onde determinava a criação do posto de Capitão do Mato, e reiterava a necessidade da criação da dita aldeia, uma vez que o número de aquilombados aumentava cada dia mais e nada conseguia destruí-los ou pelo menos “... os dividir e desgregar...”. Assim, cada vez ficavam mais perigosos. O Rei entendia que, “...Com uns bárbaros emboscados se podem competir e ter partido outros bárbaros que vivem nos matos e assim com estabelecimento e criação de uma aldeia do gentio doméstico em cada comarca poderão se ter limite as insolências que atualmente praticam os ditos negros, cujo ímpeto pode o gentio rebater e paulatinamente disgrega-los porque tanto que andarem dividi-los e dispersos será fácil a execução do castigo para o que se faz precisa a criação da dita aldeia...”6

Entretanto, ainda assim, o aldeamento não foi criado em função de uma série de problemas na região.

Trecho de um trabalho de Marcia Amantino.

Próximo Texto: Os índios como arma contra quilombolas.
Texto Anterior: A limpeza de área e distribuição de sesmarias.

1. Sobre a legislação e os tratamentos dispensados aos índios aliados e aos considerados inimigos, ver PERRONE, Maria Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial. (séculos XVI a XVIII). In:CUNHA, Manuela Carneiro da. (org). História dos índios do Brasil. São Paulo: Cia das Letras, Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP, 1992.
2. Mesmo assim, alguns índios que por inúmeros motivos haviam aceitado a catequese, foram enviados para aldeamentos em novas áreas e, em alguns casos, até mesmo para fora da Capitania, como foi o caso de Castelo, no Espírito Santo, originariamente, aldeamento para índios Puri de Minas Gerais. É evidente que um dos objetivos deste afastamento das tribos de suas áreas de habitação, era retirar deles os laços culturais e de identidade com a terra de seus antepassados.
3. Carta Régia do Governador sobre a formação de aldeias de ìndios na Comarca do Rio das Velhas para dispersar negros fugitivos. 4.11.1714. APM SC 04
4. Cartas do Conde de Assumar o Rei de Portugal- Sobre os quilombolas e os castigos delles. RAPM, Belo Horizonte, 3 (1): 251-66, 1898.
5. Ordem Régia enviada ao Conde de Assumar em 12.1.1719. APM SC 03. P. 87
6. Idem

Comentários

Anônimo disse…
Nilson Cardoso de Carvalho, faleceu em 09-12-2201 e deixou um legado cultural, e um agradecimento especial a professora ANICLEIDE ZEQUINI, Curadora do Arquivo do Museu Republicano de Itu (USP).
Escravos ou Bestas.
Quando os que compram escravos, ou bestas, os poderão enjeitar, por doenças ou manqueiras". (Ordenações Manoelinas, livro 4. Título XVI). Colonização dos vales do Rio Grande e Pardo - Século XIX.
Disponibilizado em
Portal Gentree - Windows Internet Explorer
www.gentree.org.br/artigos/escravos.htm

"Pretendo através de documento oficial revelar particularidades do tratamento dispensado ao escravo no Império e o dispositivo legal que o ampara. Trata-se de um processo arquivado no Cartório do Primeiro Ofício de Itu, atualmente sob custódia do Museu Republicano Convenção de Itu, da Universidade de São Paulo. Ano 1860. Termo - Auto de depósito em que são: José Estanisláo do Amaral Camargo (Estanislau) ..."

"Qualquer pessoa que comprar algum escravo doente de tal enfermidade, que lhe tolha servir-se delle, o poderá enjeitar a quem lho vendeu, provando que já era doente em seu poder de tal enfermidade, com tanto que cite ao vendedor dentro de seis meses do dia, em que o escravo lhe for entregue."
Anônimo disse…
Errata - Tipo de erro: digitação. No comentário anterior, Nilson Cardoso de Carvalho faleceu no ano de 2001. Escusas.

Mais lidas no site

Tabela Cronológica 10 - Carmo da Cachoeira

Tabela 10 - de 1800 até o Reino Unido - 1815 - Elevação do Brasil a Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves - 1815 ü 30/Jan – capitão Manuel de Jesus Pereira foi nomeado comandante da Cia. de Ordenanças da ermida de Campo Lindo; e ü instalada a vila de Jacuí . 1816 1816-1826 – Reinado de Dom João VI – após a Independência em 1822, D. João VI assumiu a qualidade e dignidade de imperador titular do Brasil de jure , abdicando simultaneamente dessa coroa para seu filho Dom Pedro I . ü Miguel Antônio Rates disse que pretendia se mudar para a paragem do Mandu . 1817 17/Dez – Antônio Dias de Gouveia deixou viúva Ana Teresa de Jesus . A família foi convocada por peritos para a divisão dos bens, feita e assinada na paragem da Ponte Falsa . 1818 ü Fazendeiros sul-mineiros requereram a licença para implementação da “ Estrada do Picu ”, atravessando a serra da Mantiqueira e encontrando-se com a que vinha da Província de São Paulo pelo vale do Paraíba em direção ao Rio de Janeiro, na alt...

A organização do quilombo.

O quilombo funcionava de maneira organizada, suas leis eram severas e os atos mais sérios eram julgados na Aldeia de Sant’Anna pelos religiosos. O trabalho era repartido com igualdade entre os membros do quilombo, e de acordo com as qualidades de que eram dotados, “... os habitantes eram divididos e subdivididos em classes... assim havia os excursionistas ou exploradores; os negociantes, exportadores e importadores; os caçadores e magarefes; os campeiro s ou criadores; os que cuidavam dos engenhos, o fabrico do açúcar, aguardente, azeite, farinha; e os agricultores ou trabalhadores de roça propriamente ditos...” T odos deviam obediência irrestrita a Ambrósio. O casamento era geral e obrigatório na idade apropriada. A religião era a católica e os quilombolas, “...Todas as manhãs, ao romper o dia, os quilombolas iam rezar, na igreja da frente, a de perto do portão, por que a outra, como sendo a matriz, era destinada ás grandes festas, e ninguém podia sair para o trabalho antes de cump...

A família do Pe. Manoel Francisco Maciel em Minas.

A jude-nos a contar a história de Carmo da Cachoeira. Aproveite o espaço " comentários " para relatar algo sobre esta foto, histórias, fatos e curiosidades. Assim como casos, fatos e dados históricos referentes a nossa cidade e região. Próxima imagem: Sete de Setembro em Carmo da Cachoeira em 1977. Imagem anterior: Uma antiga família de Carmo da Cachoeira.

Mais lidas nos últimos 30 dias

Natal, memória e partilha em Carmo da Cachoeira

Talvez uma das coisas de que a professora Leonor Rizzi mais gostasse em Carmo da Cachoeira fossem as festividades cristãs . Via nelas não apenas a beleza dos ritos, mas, sobretudo, o protagonismo e a visibilidade que conferiam às pessoas da comunidade, tantas vezes deixadas à margem da memória histórica e cultural. Graças à homenagem póstuma oferecida pela Câmara Municipal a Dona Leonor, por iniciativa da vereadora Maria Beatriz Reis Mendes (Bia), revisitei a cidade. Confesso que a primeira parada no “ Estação Café com Arte ”, no Bairro da Estação , indicada pela própria vereadora, teve algo de peregrinação afetiva: eu caminhava pelos espaços tentando adivinhar o que, ali, chamaria mais a atenção de Leonor. Foi então que encontrei algo que, tenho certeza, a encantaria: a confecção artesanal do frontão do palco do Auto de Natal deste ano. Naquele trabalho paciente das mãos, na madeira, na tinta e nos detalhes, reconheci o mesmo espírito que atravessava os textos que ela escreveu, n...

Carmo da Cachoeira: o centro cultural Café Estação com Arte

O Bairro da Estação que a Profª Leonor sonhou Hoje, quem chega ao bairro da Estação, em Carmo da Cachoeira , encontra um espaço acolhedor: as antigas ruínas da ferrovia se transformaram em um pequeno centro de cultura e turismo em torno do “ Estação Café com Arte ” . Onde antes havia paredes caindo e abandono, há agora um lugar vivo, que recebe visitantes, conversa com a memória e faz a paisagem respirar de outro modo. Este texto nasce justamente desse contraste: da lembrança de uma Estação em ruínas à experiência recente de rever o local totalmente recuperado, por ocasião da homenagem prestada à professora Leonor Rizzi pela Câmara Municipal , por iniciativa da vereadora cachoeirense Maria Beatriz Reis Mendes (Bia) . A impressão é imediata: poucas coisas a alegrariam tanto quanto ver esse lugar, que a marcou pela ruína, renascer como polo de cultura. Foto original recuperada por IA de Evando Pazzini Para compreender o significado disso, recorremos aos próprios textos de Leonor sobr...

Carmo da Cachoeira – de 1815 até 1821

Publicada em 15 de fevereiro de 2008 pela professora Leonor Rizzi , esta tabela acompanha um período curto em anos, mas denso em mudanças: é o momento em que o Brasil deixa de ser apenas colônia para integrar o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1815), vê a circulação do café avançar sobre Minas, assiste à transformação de capitanias em províncias e presencia o retorno da Corte a Lisboa. Enquanto os livros de história contam esse processo em linhas gerais, aqui o movimento é visto através de lupa: nomes de fazendas, vilas recém-instaladas, estradas requisitadas, inventários, listas de moradores e decisões administrativas que moldam o sul de Minas. Talvez por isso esta tenha se tornado, ao longo dos anos, a tabela mais procurada no site, foram 66.800 acessos: nela se cruzam a visão macro da política imperial e os detalhes concretos de lugares como Campo Lindo , Ponte Falsa , Serra do Carmo da Cachoeira , Varginha ainda chamada Espírito Santo das Catanduvas . O que em manuais ...

Carmo da Cachoeira de 1800 até 1814

Carmo da Cachoeire: Leonor Rizzi e o poder do conhecimento histórico local Publicado neste site em 5 de fevereiro de 2009, o quadro intitulado “ Tabela Cronológica 9 – de 1800 até o Reino Unido ” , elaborado pela professora Leonor Rizzi , é mais do que uma sequência de datas: é um exercício de reconstrução paciente da história local a partir de vestígios dispersos. Em vez de olhar apenas para o “grande cenário” do Império português e das transformações políticas do início do século XIX, a autora acompanha, em detalhe, o que se passava na região que hoje reconhecemos como Carmo da Cachoeira : fazendas que se consolidam, capelas que se erguem, famílias que se fixam, instituições que se organizam. Esse tipo de pesquisa minuciosa, ancorada em registros paroquiais, inventários, sesmarias e documentação administrativa, devolve à comunidade algo que costuma ser monopolizado pelos manuais escolares: o direito de se reconhecer como sujeito da própria história. Ao relacionar acontecimentos lo...

Leonor Rizzi: O Legado do Projeto Partilha

Um Resgate da Memória de Carmo da Cachoeira A história de um povo é construída não apenas por grandes eventos, mas pelo cotidiano, pela fé e pelo esforço de seus antepassados. Em Carmo da Cachoeira , essa máxima foi levada a sério através de uma iniciativa exemplar de preservação e descoberta: o Projeto Partilha . Liderado pela Profª Leonor Rizzi , o projeto destacou-se pelo rigor acadêmico e pela paixão histórica. O intuito era pesquisar a fundo a origem de Carmo da Cachoeira, indo além do óbvio. A investigação buscou a documentação mais longínqua em fontes primárias, estendendo-se desde arquivos em Portugal até registros no Brasil, mantendo contato constante com pesquisadores de centros históricos como Porto , Mariana , Ouro Preto e São Paulo . A metodologia do projeto foi abrangente. Além da consulta a documentos genealógicos digitais, houve um trabalho minucioso nos Livros de Diversas Paróquias e Dioceses . Neste ponto, a colaboração eclesiástica foi fundamental: o clero da Paróq...

Mais Lidas nos Últimos Dias

Natal, memória e partilha em Carmo da Cachoeira

Talvez uma das coisas de que a professora Leonor Rizzi mais gostasse em Carmo da Cachoeira fossem as festividades cristãs . Via nelas não apenas a beleza dos ritos, mas, sobretudo, o protagonismo e a visibilidade que conferiam às pessoas da comunidade, tantas vezes deixadas à margem da memória histórica e cultural. Graças à homenagem póstuma oferecida pela Câmara Municipal a Dona Leonor, por iniciativa da vereadora Maria Beatriz Reis Mendes (Bia), revisitei a cidade. Confesso que a primeira parada no “ Estação Café com Arte ”, no Bairro da Estação , indicada pela própria vereadora, teve algo de peregrinação afetiva: eu caminhava pelos espaços tentando adivinhar o que, ali, chamaria mais a atenção de Leonor. Foi então que encontrei algo que, tenho certeza, a encantaria: a confecção artesanal do frontão do palco do Auto de Natal deste ano. Naquele trabalho paciente das mãos, na madeira, na tinta e nos detalhes, reconheci o mesmo espírito que atravessava os textos que ela escreveu, n...

Carmo da Cachoeira: o centro cultural Café Estação com Arte

O Bairro da Estação que a Profª Leonor sonhou Hoje, quem chega ao bairro da Estação, em Carmo da Cachoeira , encontra um espaço acolhedor: as antigas ruínas da ferrovia se transformaram em um pequeno centro de cultura e turismo em torno do “ Estação Café com Arte ” . Onde antes havia paredes caindo e abandono, há agora um lugar vivo, que recebe visitantes, conversa com a memória e faz a paisagem respirar de outro modo. Este texto nasce justamente desse contraste: da lembrança de uma Estação em ruínas à experiência recente de rever o local totalmente recuperado, por ocasião da homenagem prestada à professora Leonor Rizzi pela Câmara Municipal , por iniciativa da vereadora cachoeirense Maria Beatriz Reis Mendes (Bia) . A impressão é imediata: poucas coisas a alegrariam tanto quanto ver esse lugar, que a marcou pela ruína, renascer como polo de cultura. Foto original recuperada por IA de Evando Pazzini Para compreender o significado disso, recorremos aos próprios textos de Leonor sobr...

Carmo da Cachoeira – de 1815 até 1821

Publicada em 15 de fevereiro de 2008 pela professora Leonor Rizzi , esta tabela acompanha um período curto em anos, mas denso em mudanças: é o momento em que o Brasil deixa de ser apenas colônia para integrar o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1815), vê a circulação do café avançar sobre Minas, assiste à transformação de capitanias em províncias e presencia o retorno da Corte a Lisboa. Enquanto os livros de história contam esse processo em linhas gerais, aqui o movimento é visto através de lupa: nomes de fazendas, vilas recém-instaladas, estradas requisitadas, inventários, listas de moradores e decisões administrativas que moldam o sul de Minas. Talvez por isso esta tenha se tornado, ao longo dos anos, a tabela mais procurada no site, foram 66.800 acessos: nela se cruzam a visão macro da política imperial e os detalhes concretos de lugares como Campo Lindo , Ponte Falsa , Serra do Carmo da Cachoeira , Varginha ainda chamada Espírito Santo das Catanduvas . O que em manuais ...