Pular para o conteúdo principal

Os capitães-do-mato e seu negócio.

Percebe-se que os limites que separavam as diferentes categorias sociais não eram muito definidos. Uns e outros poderiam ser confundidos entre si, aumentando a fluidez desta sociedade já tão pouco propensa em obedecer as regras impostas pelas autoridades metropolitanas.

Neste momento torna-se necessário definir o que era considerado na época um quilombo, e quais eram as implicações de ser um escravo fugitivo identificado como quilombola.

Para a legislação da época, era quilombola todo escravo fugido que fosse apanhado longe de povoações. O número de fugitivos necessários para caracterizar um local como quilombo variou de “...acima de quatro...”, no Regimento dos Capitães do Mato de 17221 e no Despacho do Governador D. Luis Diogo Lobo da Silva2 e “...acima de cinco...” na Carta Régia do Governador Gomes Freire Andrade3. Este mesmo documento afirma que não era necessário encontrar junto com os escravos fugidos, ranchos, pilões ou qualquer coisa que facilitasse a conservação do grupo, fatos que eram básicos nos outros dois documentos.

Sabendo-se que por cada negro que fosse apanhado em um quilombo, o Capitão do mato receberia 20 oitavas de ouro como tomadia4 e aos que fossem apanhados errantes, este valor diminuía de acordo com a distância da captura, fica claro o porque do número elevadíssimo de escravos quilombolas em Minas Gerais. Era muito mais vantajoso para um capitão do Mato prender um “quilombola”, mesmo que ele não o fosse , do que prender um escravo apenas fugido. Assim, qualquer escravo fugido virava um quilombola em potencial.

Isto não significa dizer que o número de quilombos em Minas Gerais não tenha sido grande. Pelo contrário. Foi realmente significativo, de acordo com o que a documentação deixa registrado. Mas seria ingenuidade não perceber que a maioria destes quilombos não passava, na realidade, de grupos muito pequenos de escravos fugidos errantes pelas matas, e que os interesses dos Capitães do Mato é que os teria transformados em quilombolas perigosos capazes de promoverem grande resistência à recaptura.

Estes grupos de escravos fugidos organizados segundo o que a tipologia classificou como Quilombos Dependentes, mantinham com a terra uma relação de apenas recolher o que ele ofertava, ou seja, eram hordas de quilombolas errantes pelas matas.

A população formadora deste tipo de quilombo pequeno que não produzia alimentos para se manter tende a ser reduzida não só por razões estratégicas já citadas anteriormente, como também por razões de ordem econômica. Quanto menor a população, menor a necessidade de obtenção de alimentos, de moradias, enfim, de uma estrutura complexa. Por não se dedicarem à agricultura ou criação de animais, não produziam no interior do quilombo alimentos, alimentando-se através da caça, pesca, coleta, roubos e razias às fazendas da região. Este tipo de estrutura quilombola não teria como praticar estas atividades, uma vez que exigem um sedentarismo dos grupos envolvidos. E este não poderia ser o caso destas estruturas.

Trecho de um trabalho de Marcia Amantino.

Próximo Texto: A vida nômade como forma de fugir das autoridades.
Texto Anterior: A dificuldade de distinguir entre pobres e bandidos.

1. Regimento dos Capitães do Mato de 17 de dezembro de 1722 de D. Lourenço de Almeida. In: RAPM, Ano II, fasc. II, 1897. p. 389.
2. APM SC 59 p. 102 e v
3. Resposta do Rei de Portugal a consulta do Conselho Ultramarino, de 2 de dezembro de 1740. Cit. Por MOURA. Clóvis. Rebeliões da senzala. Rio de janeiro: Ed. Conquista, 1972. p. 87
4. Este valor foi fixado no Regimento dos Capitães do Mato de 1722.

Comentários

Mais lidas no site

Tabela Cronológica 10 - Carmo da Cachoeira

Tabela 10 - de 1800 até o Reino Unido - 1815 - Elevação do Brasil a Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves - 1815 ü 30/Jan – capitão Manuel de Jesus Pereira foi nomeado comandante da Cia. de Ordenanças da ermida de Campo Lindo; e ü instalada a vila de Jacuí . 1816 1816-1826 – Reinado de Dom João VI – após a Independência em 1822, D. João VI assumiu a qualidade e dignidade de imperador titular do Brasil de jure , abdicando simultaneamente dessa coroa para seu filho Dom Pedro I . ü Miguel Antônio Rates disse que pretendia se mudar para a paragem do Mandu . 1817 17/Dez – Antônio Dias de Gouveia deixou viúva Ana Teresa de Jesus . A família foi convocada por peritos para a divisão dos bens, feita e assinada na paragem da Ponte Falsa . 1818 ü Fazendeiros sul-mineiros requereram a licença para implementação da “ Estrada do Picu ”, atravessando a serra da Mantiqueira e encontrando-se com a que vinha da Província de São Paulo pelo vale do Paraíba em direção ao Rio de Janeiro, na alt...

A organização do quilombo.

O quilombo funcionava de maneira organizada, suas leis eram severas e os atos mais sérios eram julgados na Aldeia de Sant’Anna pelos religiosos. O trabalho era repartido com igualdade entre os membros do quilombo, e de acordo com as qualidades de que eram dotados, “... os habitantes eram divididos e subdivididos em classes... assim havia os excursionistas ou exploradores; os negociantes, exportadores e importadores; os caçadores e magarefes; os campeiro s ou criadores; os que cuidavam dos engenhos, o fabrico do açúcar, aguardente, azeite, farinha; e os agricultores ou trabalhadores de roça propriamente ditos...” T odos deviam obediência irrestrita a Ambrósio. O casamento era geral e obrigatório na idade apropriada. A religião era a católica e os quilombolas, “...Todas as manhãs, ao romper o dia, os quilombolas iam rezar, na igreja da frente, a de perto do portão, por que a outra, como sendo a matriz, era destinada ás grandes festas, e ninguém podia sair para o trabalho antes de cump...

A família do Pe. Manoel Francisco Maciel em Minas.

A jude-nos a contar a história de Carmo da Cachoeira. Aproveite o espaço " comentários " para relatar algo sobre esta foto, histórias, fatos e curiosidades. Assim como casos, fatos e dados históricos referentes a nossa cidade e região. Próxima imagem: Sete de Setembro em Carmo da Cachoeira em 1977. Imagem anterior: Uma antiga família de Carmo da Cachoeira.

Mais lidas nos últimos 30 dias

Natal, memória e partilha em Carmo da Cachoeira

Talvez uma das coisas de que a professora Leonor Rizzi mais gostasse em Carmo da Cachoeira fossem as festividades cristãs . Via nelas não apenas a beleza dos ritos, mas, sobretudo, o protagonismo e a visibilidade que conferiam às pessoas da comunidade, tantas vezes deixadas à margem da memória histórica e cultural. Graças à homenagem póstuma oferecida pela Câmara Municipal a Dona Leonor, por iniciativa da vereadora Maria Beatriz Reis Mendes (Bia), revisitei a cidade. Confesso que a primeira parada no “ Estação Café com Arte ”, no Bairro da Estação , indicada pela própria vereadora, teve algo de peregrinação afetiva: eu caminhava pelos espaços tentando adivinhar o que, ali, chamaria mais a atenção de Leonor. Foi então que encontrei algo que, tenho certeza, a encantaria: a confecção artesanal do frontão do palco do Auto de Natal deste ano. Naquele trabalho paciente das mãos, na madeira, na tinta e nos detalhes, reconheci o mesmo espírito que atravessava os textos que ela escreveu, n...

Carmo da Cachoeira: o centro cultural Café Estação com Arte

O Bairro da Estação que a Profª Leonor sonhou Hoje, quem chega ao bairro da Estação, em Carmo da Cachoeira , encontra um espaço acolhedor: as antigas ruínas da ferrovia se transformaram em um pequeno centro de cultura e turismo em torno do “ Estação Café com Arte ” . Onde antes havia paredes caindo e abandono, há agora um lugar vivo, que recebe visitantes, conversa com a memória e faz a paisagem respirar de outro modo. Este texto nasce justamente desse contraste: da lembrança de uma Estação em ruínas à experiência recente de rever o local totalmente recuperado, por ocasião da homenagem prestada à professora Leonor Rizzi pela Câmara Municipal , por iniciativa da vereadora cachoeirense Maria Beatriz Reis Mendes (Bia) . A impressão é imediata: poucas coisas a alegrariam tanto quanto ver esse lugar, que a marcou pela ruína, renascer como polo de cultura. Foto original recuperada por IA de Evando Pazzini Para compreender o significado disso, recorremos aos próprios textos de Leonor sobr...

Carmo da Cachoeira – de 1815 até 1821

Publicada em 15 de fevereiro de 2008 pela professora Leonor Rizzi , esta tabela acompanha um período curto em anos, mas denso em mudanças: é o momento em que o Brasil deixa de ser apenas colônia para integrar o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1815), vê a circulação do café avançar sobre Minas, assiste à transformação de capitanias em províncias e presencia o retorno da Corte a Lisboa. Enquanto os livros de história contam esse processo em linhas gerais, aqui o movimento é visto através de lupa: nomes de fazendas, vilas recém-instaladas, estradas requisitadas, inventários, listas de moradores e decisões administrativas que moldam o sul de Minas. Talvez por isso esta tenha se tornado, ao longo dos anos, a tabela mais procurada no site, foram 66.800 acessos: nela se cruzam a visão macro da política imperial e os detalhes concretos de lugares como Campo Lindo , Ponte Falsa , Serra do Carmo da Cachoeira , Varginha ainda chamada Espírito Santo das Catanduvas . O que em manuais ...

Carmo da Cachoeira de 1800 até 1814

Carmo da Cachoeire: Leonor Rizzi e o poder do conhecimento histórico local Publicado neste site em 5 de fevereiro de 2009, o quadro intitulado “ Tabela Cronológica 9 – de 1800 até o Reino Unido ” , elaborado pela professora Leonor Rizzi , é mais do que uma sequência de datas: é um exercício de reconstrução paciente da história local a partir de vestígios dispersos. Em vez de olhar apenas para o “grande cenário” do Império português e das transformações políticas do início do século XIX, a autora acompanha, em detalhe, o que se passava na região que hoje reconhecemos como Carmo da Cachoeira : fazendas que se consolidam, capelas que se erguem, famílias que se fixam, instituições que se organizam. Esse tipo de pesquisa minuciosa, ancorada em registros paroquiais, inventários, sesmarias e documentação administrativa, devolve à comunidade algo que costuma ser monopolizado pelos manuais escolares: o direito de se reconhecer como sujeito da própria história. Ao relacionar acontecimentos lo...

Leonor Rizzi: O Legado do Projeto Partilha

Um Resgate da Memória de Carmo da Cachoeira A história de um povo é construída não apenas por grandes eventos, mas pelo cotidiano, pela fé e pelo esforço de seus antepassados. Em Carmo da Cachoeira , essa máxima foi levada a sério através de uma iniciativa exemplar de preservação e descoberta: o Projeto Partilha . Liderado pela Profª Leonor Rizzi , o projeto destacou-se pelo rigor acadêmico e pela paixão histórica. O intuito era pesquisar a fundo a origem de Carmo da Cachoeira, indo além do óbvio. A investigação buscou a documentação mais longínqua em fontes primárias, estendendo-se desde arquivos em Portugal até registros no Brasil, mantendo contato constante com pesquisadores de centros históricos como Porto , Mariana , Ouro Preto e São Paulo . A metodologia do projeto foi abrangente. Além da consulta a documentos genealógicos digitais, houve um trabalho minucioso nos Livros de Diversas Paróquias e Dioceses . Neste ponto, a colaboração eclesiástica foi fundamental: o clero da Paróq...

Mais Lidas nos Últimos Dias

Natal, memória e partilha em Carmo da Cachoeira

Talvez uma das coisas de que a professora Leonor Rizzi mais gostasse em Carmo da Cachoeira fossem as festividades cristãs . Via nelas não apenas a beleza dos ritos, mas, sobretudo, o protagonismo e a visibilidade que conferiam às pessoas da comunidade, tantas vezes deixadas à margem da memória histórica e cultural. Graças à homenagem póstuma oferecida pela Câmara Municipal a Dona Leonor, por iniciativa da vereadora Maria Beatriz Reis Mendes (Bia), revisitei a cidade. Confesso que a primeira parada no “ Estação Café com Arte ”, no Bairro da Estação , indicada pela própria vereadora, teve algo de peregrinação afetiva: eu caminhava pelos espaços tentando adivinhar o que, ali, chamaria mais a atenção de Leonor. Foi então que encontrei algo que, tenho certeza, a encantaria: a confecção artesanal do frontão do palco do Auto de Natal deste ano. Naquele trabalho paciente das mãos, na madeira, na tinta e nos detalhes, reconheci o mesmo espírito que atravessava os textos que ela escreveu, n...

Carmo da Cachoeira: o centro cultural Café Estação com Arte

O Bairro da Estação que a Profª Leonor sonhou Hoje, quem chega ao bairro da Estação, em Carmo da Cachoeira , encontra um espaço acolhedor: as antigas ruínas da ferrovia se transformaram em um pequeno centro de cultura e turismo em torno do “ Estação Café com Arte ” . Onde antes havia paredes caindo e abandono, há agora um lugar vivo, que recebe visitantes, conversa com a memória e faz a paisagem respirar de outro modo. Este texto nasce justamente desse contraste: da lembrança de uma Estação em ruínas à experiência recente de rever o local totalmente recuperado, por ocasião da homenagem prestada à professora Leonor Rizzi pela Câmara Municipal , por iniciativa da vereadora cachoeirense Maria Beatriz Reis Mendes (Bia) . A impressão é imediata: poucas coisas a alegrariam tanto quanto ver esse lugar, que a marcou pela ruína, renascer como polo de cultura. Foto original recuperada por IA de Evando Pazzini Para compreender o significado disso, recorremos aos próprios textos de Leonor sobr...

Carmo da Cachoeira – de 1815 até 1821

Publicada em 15 de fevereiro de 2008 pela professora Leonor Rizzi , esta tabela acompanha um período curto em anos, mas denso em mudanças: é o momento em que o Brasil deixa de ser apenas colônia para integrar o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1815), vê a circulação do café avançar sobre Minas, assiste à transformação de capitanias em províncias e presencia o retorno da Corte a Lisboa. Enquanto os livros de história contam esse processo em linhas gerais, aqui o movimento é visto através de lupa: nomes de fazendas, vilas recém-instaladas, estradas requisitadas, inventários, listas de moradores e decisões administrativas que moldam o sul de Minas. Talvez por isso esta tenha se tornado, ao longo dos anos, a tabela mais procurada no site, foram 66.800 acessos: nela se cruzam a visão macro da política imperial e os detalhes concretos de lugares como Campo Lindo , Ponte Falsa , Serra do Carmo da Cachoeira , Varginha ainda chamada Espírito Santo das Catanduvas . O que em manuais ...