Pular para o conteúdo principal

A economia e os primeiros profissionais.


Luccok, viajante inglês, que o visitara por duas vezes, escreve em 1816 entusiásticas palavras sobre o porto Estrela: "Embora não possua muitas casas, algumas delas são insolitamente boas. A igreja fica sobre uma colina escarpada e redonda, a cerca de duzentos pés acima do nível da água, tendo pela situação vantagem que lhe falece no tamanho, dominando extensos panoramas de ricas plantações para o sul e para leste, e de montanhas cobertas de matas para o norte. O que mais importa é que ali existem dois cais com armazéns apropriados, donde se embarcam para a Capital muitos dos produtos do interior. De vez que as estradas principais do país começam ou terminam nesta localidade, ali também se desembarcam e carregam em lombo de burro todas as mercadorias que se destinam à região norte da Capitania do Rio de Janeiro, à Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, lugares estes dos, quais alguns se encontram de mil e quinhentas a duas mil milhas de distância. Por esse motivo, a vila vive cheia ainda de burros, tropeiros e gente arrebanhada de quase todos os pontos das Províncias centrais; às margens do rio apinham-se os saveiros; novas terras se demarcam e cultivam, sociedades novas se constituem, e o povo progride em instrução e civilização. Na manhã de domingo, dia seguinte àquele em que chegamos ao porto da Estrela, saiu o povo muito cedo para a missa, dali seguindo, como de costume, para a sua lida. A cena era de grande azáfama, pois que na venda (rancho) em que me instalara, além da comum tarefa de acondicionamento do sal, que se coloca em pequenos sacos de couro cru (bruacas), havia no mínimo quinhentas mulas a serem carregadas e suas carga a serem arrumadas e ajustadas".
Em torno dessa indústria primitiva nasceram e viveram com largueza várias profissões e indústrias organizadas, como a de "rancheiro", proprietários de "rancho" ou alojamento em que pousavam as tropas. Geralmente não era retribuída a hospedagem, cobrando o seu proprietário apenas o milho e o pasto consumidos pelos animais, porque as tropas conduziam cozinhas próprias. A profissão de ferrador também foi criada pelas necessidades desse fenômeno econômico-social, consistindo ela em pregar as ferraduras nos animais das tropas e acumulando geralmente a profissão de aveitar ou veterinário. A incumbência de domar os animais ainda chucros era também uma decorrência do regime de transportes e chamavam-se "paulistas", porque conduziam ao destino os animais adquiridos em Sorocaba.
No norte de Minas "paulista", "peão" e "amontador" eram sinônimos, mas tinham significação específica. Assim é que "paulista" era o indivíduo que amansava as bestas à maneira dos peões de São Paulo. Peão era todo amansador de eqüinos e muares à moda do sertão, e amontador era apenas o que montava animais bravios para efeito de quebrar-lhes o ardor. Depois é que vinha o "acertador", homem hábil e paciente, que ensinava as andaduras ao animal e educava-lhe a boca ao contato do freio. É a mais nobre de todas.
O primeiro era profissional convencido da sua arte, usando freios vistosos, com laço traçado enrolado à garupa e trazendo aos pés as esporas de rosetas enormes, chamadas "chilenas". Montava quase sempre asininos, com predileção pelos animais grandes e fogosos, "burro de São Paulo". O segundo era o amansador genuíno do sertão. Montava com destreza e destemor, preferindo os eqüinos, e nesta classe entra a maioria dos vaqueiros. O terceiro montava indistintamente asininos e eqüinos, já mediante salário, já por simples exibição. Eram os noviços da profissão, que geralmente acompanhavam os veteranos nas viagens à Sorocaba.
O "adomador" é o mais forte e rude dos peões, que monta pela primeira vez os grandes animais chucros, "igualados", "pagões". O "acertador" é o airoso mestre de equitação, que mete passo ao animal redomão ou ensina os sendeiros a marchar, pondo-os certos de rédea. É o picador.
Outra profissão possibilitada pela difusão dos muares é a de "barganhista", que exigia qualidades especiais de dissimulação e argúcia. Barganhista era o homem que vivia de permutar animais de sela ou de transporte, e só aceitava dinheiro nas suas transações na importância restrita das necessidades da sua manutenção pessoal.


Comentários

Anônimo disse…
O Projeto Partilha esteve presente certa ocasião a uma reunião onde se discutia Turismo. Um dos participantes insistia em colocar Carmo da Cachoeira na Estrada Real, no entanto,foi mostrado a ele a inviabilidade da inserção com as seguintes palavras, mostrando um mapa: "Veja, tem um cantinho aqui que fica fora, e é onde está o Município de Carmo da Cachoeira". Claro, nosso perfil é outro. A Marca aqui é a da religiosidade, e o nicho não é o mesmo que atraí os turistas da Estrada Real. Nossa história também não é a de caminho que leva as minas de ouro. Os caminhos aqui eram outros, com histórias próprias e únicas.Aqui estava Manoel Antonio Rates. Aqui estavam grupos fortes, que segundo a história das genealogias colocam, poderiam "colocar em risco a estabilidade até o próprio governo português na época". O grande e potente DIOGO GARCIA, cuja sede de seu latifúndio foi "FAZENDA CONGONHAL", Hoje Nepomuceno. Tinha os Duarte, que depois passaram a assinar"Duarte Garcia", "OS SOUZA MEIRELLES", "OS MORAES", "OS BUENO DA FONSECA, só dois nomes para representar a ala PAULISTA. Estes grupos se fortaleceram, formaram clãs e assumiram o espaço que entendiam lhes pertencer. Lutaram por ele. Nossa história é uma história de AMOR INFINITO PELA TERRA, e por isso, e MUITO MAIS, diremos com o peito cheio: O PARAÍSO É AQUI".
Anônimo disse…
Gratidão aos antepassados. Reconhemos sua luta e faremos por merecer o nome e o lugar que eles tanto amaram e presevaram. Obrigado ao Projeto Partilha, ao Pe. André a a TS Bovaris.
Anônimo disse…
Uma história coroada pelo idealismo presente nos grandes homens que reconhecem sua missão.

Mais lidas no site

Tabela Cronológica 10 - Carmo da Cachoeira

Tabela 10 - de 1800 até o Reino Unido - 1815 - Elevação do Brasil a Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves - 1815 ü 30/Jan – capitão Manuel de Jesus Pereira foi nomeado comandante da Cia. de Ordenanças da ermida de Campo Lindo; e ü instalada a vila de Jacuí . 1816 1816-1826 – Reinado de Dom João VI – após a Independência em 1822, D. João VI assumiu a qualidade e dignidade de imperador titular do Brasil de jure , abdicando simultaneamente dessa coroa para seu filho Dom Pedro I . ü Miguel Antônio Rates disse que pretendia se mudar para a paragem do Mandu . 1817 17/Dez – Antônio Dias de Gouveia deixou viúva Ana Teresa de Jesus . A família foi convocada por peritos para a divisão dos bens, feita e assinada na paragem da Ponte Falsa . 1818 ü Fazendeiros sul-mineiros requereram a licença para implementação da “ Estrada do Picu ”, atravessando a serra da Mantiqueira e encontrando-se com a que vinha da Província de São Paulo pelo vale do Paraíba em direção ao Rio de Janeiro, na alt...

A organização do quilombo.

O quilombo funcionava de maneira organizada, suas leis eram severas e os atos mais sérios eram julgados na Aldeia de Sant’Anna pelos religiosos. O trabalho era repartido com igualdade entre os membros do quilombo, e de acordo com as qualidades de que eram dotados, “... os habitantes eram divididos e subdivididos em classes... assim havia os excursionistas ou exploradores; os negociantes, exportadores e importadores; os caçadores e magarefes; os campeiro s ou criadores; os que cuidavam dos engenhos, o fabrico do açúcar, aguardente, azeite, farinha; e os agricultores ou trabalhadores de roça propriamente ditos...” T odos deviam obediência irrestrita a Ambrósio. O casamento era geral e obrigatório na idade apropriada. A religião era a católica e os quilombolas, “...Todas as manhãs, ao romper o dia, os quilombolas iam rezar, na igreja da frente, a de perto do portão, por que a outra, como sendo a matriz, era destinada ás grandes festas, e ninguém podia sair para o trabalho antes de cump...

A família do Pe. Manoel Francisco Maciel em Minas.

A jude-nos a contar a história de Carmo da Cachoeira. Aproveite o espaço " comentários " para relatar algo sobre esta foto, histórias, fatos e curiosidades. Assim como casos, fatos e dados históricos referentes a nossa cidade e região. Próxima imagem: Sete de Setembro em Carmo da Cachoeira em 1977. Imagem anterior: Uma antiga família de Carmo da Cachoeira.

Mais lidas nos últimos 30 dias

Natal, memória e partilha em Carmo da Cachoeira

Talvez uma das coisas de que a professora Leonor Rizzi mais gostasse em Carmo da Cachoeira fossem as festividades cristãs . Via nelas não apenas a beleza dos ritos, mas, sobretudo, o protagonismo e a visibilidade que conferiam às pessoas da comunidade, tantas vezes deixadas à margem da memória histórica e cultural. Graças à homenagem póstuma oferecida pela Câmara Municipal a Dona Leonor, por iniciativa da vereadora Maria Beatriz Reis Mendes (Bia), revisitei a cidade. Confesso que a primeira parada no “ Estação Café com Arte ”, no Bairro da Estação , indicada pela própria vereadora, teve algo de peregrinação afetiva: eu caminhava pelos espaços tentando adivinhar o que, ali, chamaria mais a atenção de Leonor. Foi então que encontrei algo que, tenho certeza, a encantaria: a confecção artesanal do frontão do palco do Auto de Natal deste ano. Naquele trabalho paciente das mãos, na madeira, na tinta e nos detalhes, reconheci o mesmo espírito que atravessava os textos que ela escreveu, n...

Carmo da Cachoeira: o centro cultural Café Estação com Arte

O Bairro da Estação que a Profª Leonor sonhou Hoje, quem chega ao bairro da Estação, em Carmo da Cachoeira , encontra um espaço acolhedor: as antigas ruínas da ferrovia se transformaram em um pequeno centro de cultura e turismo em torno do “ Estação Café com Arte ” . Onde antes havia paredes caindo e abandono, há agora um lugar vivo, que recebe visitantes, conversa com a memória e faz a paisagem respirar de outro modo. Este texto nasce justamente desse contraste: da lembrança de uma Estação em ruínas à experiência recente de rever o local totalmente recuperado, por ocasião da homenagem prestada à professora Leonor Rizzi pela Câmara Municipal , por iniciativa da vereadora cachoeirense Maria Beatriz Reis Mendes (Bia) . A impressão é imediata: poucas coisas a alegrariam tanto quanto ver esse lugar, que a marcou pela ruína, renascer como polo de cultura. Foto original recuperada por IA de Evando Pazzini Para compreender o significado disso, recorremos aos próprios textos de Leonor sobr...

Carmo da Cachoeira – de 1815 até 1821

Publicada em 15 de fevereiro de 2008 pela professora Leonor Rizzi , esta tabela acompanha um período curto em anos, mas denso em mudanças: é o momento em que o Brasil deixa de ser apenas colônia para integrar o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1815), vê a circulação do café avançar sobre Minas, assiste à transformação de capitanias em províncias e presencia o retorno da Corte a Lisboa. Enquanto os livros de história contam esse processo em linhas gerais, aqui o movimento é visto através de lupa: nomes de fazendas, vilas recém-instaladas, estradas requisitadas, inventários, listas de moradores e decisões administrativas que moldam o sul de Minas. Talvez por isso esta tenha se tornado, ao longo dos anos, a tabela mais procurada no site, foram 66.800 acessos: nela se cruzam a visão macro da política imperial e os detalhes concretos de lugares como Campo Lindo , Ponte Falsa , Serra do Carmo da Cachoeira , Varginha ainda chamada Espírito Santo das Catanduvas . O que em manuais ...

Carmo da Cachoeira de 1800 até 1814

Carmo da Cachoeire: Leonor Rizzi e o poder do conhecimento histórico local Publicado neste site em 5 de fevereiro de 2009, o quadro intitulado “ Tabela Cronológica 9 – de 1800 até o Reino Unido ” , elaborado pela professora Leonor Rizzi , é mais do que uma sequência de datas: é um exercício de reconstrução paciente da história local a partir de vestígios dispersos. Em vez de olhar apenas para o “grande cenário” do Império português e das transformações políticas do início do século XIX, a autora acompanha, em detalhe, o que se passava na região que hoje reconhecemos como Carmo da Cachoeira : fazendas que se consolidam, capelas que se erguem, famílias que se fixam, instituições que se organizam. Esse tipo de pesquisa minuciosa, ancorada em registros paroquiais, inventários, sesmarias e documentação administrativa, devolve à comunidade algo que costuma ser monopolizado pelos manuais escolares: o direito de se reconhecer como sujeito da própria história. Ao relacionar acontecimentos lo...

Leonor Rizzi: O Legado do Projeto Partilha

Um Resgate da Memória de Carmo da Cachoeira A história de um povo é construída não apenas por grandes eventos, mas pelo cotidiano, pela fé e pelo esforço de seus antepassados. Em Carmo da Cachoeira , essa máxima foi levada a sério através de uma iniciativa exemplar de preservação e descoberta: o Projeto Partilha . Liderado pela Profª Leonor Rizzi , o projeto destacou-se pelo rigor acadêmico e pela paixão histórica. O intuito era pesquisar a fundo a origem de Carmo da Cachoeira, indo além do óbvio. A investigação buscou a documentação mais longínqua em fontes primárias, estendendo-se desde arquivos em Portugal até registros no Brasil, mantendo contato constante com pesquisadores de centros históricos como Porto , Mariana , Ouro Preto e São Paulo . A metodologia do projeto foi abrangente. Além da consulta a documentos genealógicos digitais, houve um trabalho minucioso nos Livros de Diversas Paróquias e Dioceses . Neste ponto, a colaboração eclesiástica foi fundamental: o clero da Paróq...

Mais Lidas nos Últimos Dias

Natal, memória e partilha em Carmo da Cachoeira

Talvez uma das coisas de que a professora Leonor Rizzi mais gostasse em Carmo da Cachoeira fossem as festividades cristãs . Via nelas não apenas a beleza dos ritos, mas, sobretudo, o protagonismo e a visibilidade que conferiam às pessoas da comunidade, tantas vezes deixadas à margem da memória histórica e cultural. Graças à homenagem póstuma oferecida pela Câmara Municipal a Dona Leonor, por iniciativa da vereadora Maria Beatriz Reis Mendes (Bia), revisitei a cidade. Confesso que a primeira parada no “ Estação Café com Arte ”, no Bairro da Estação , indicada pela própria vereadora, teve algo de peregrinação afetiva: eu caminhava pelos espaços tentando adivinhar o que, ali, chamaria mais a atenção de Leonor. Foi então que encontrei algo que, tenho certeza, a encantaria: a confecção artesanal do frontão do palco do Auto de Natal deste ano. Naquele trabalho paciente das mãos, na madeira, na tinta e nos detalhes, reconheci o mesmo espírito que atravessava os textos que ela escreveu, n...

Carmo da Cachoeira: o centro cultural Café Estação com Arte

O Bairro da Estação que a Profª Leonor sonhou Hoje, quem chega ao bairro da Estação, em Carmo da Cachoeira , encontra um espaço acolhedor: as antigas ruínas da ferrovia se transformaram em um pequeno centro de cultura e turismo em torno do “ Estação Café com Arte ” . Onde antes havia paredes caindo e abandono, há agora um lugar vivo, que recebe visitantes, conversa com a memória e faz a paisagem respirar de outro modo. Este texto nasce justamente desse contraste: da lembrança de uma Estação em ruínas à experiência recente de rever o local totalmente recuperado, por ocasião da homenagem prestada à professora Leonor Rizzi pela Câmara Municipal , por iniciativa da vereadora cachoeirense Maria Beatriz Reis Mendes (Bia) . A impressão é imediata: poucas coisas a alegrariam tanto quanto ver esse lugar, que a marcou pela ruína, renascer como polo de cultura. Foto original recuperada por IA de Evando Pazzini Para compreender o significado disso, recorremos aos próprios textos de Leonor sobr...

Carmo da Cachoeira – de 1815 até 1821

Publicada em 15 de fevereiro de 2008 pela professora Leonor Rizzi , esta tabela acompanha um período curto em anos, mas denso em mudanças: é o momento em que o Brasil deixa de ser apenas colônia para integrar o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1815), vê a circulação do café avançar sobre Minas, assiste à transformação de capitanias em províncias e presencia o retorno da Corte a Lisboa. Enquanto os livros de história contam esse processo em linhas gerais, aqui o movimento é visto através de lupa: nomes de fazendas, vilas recém-instaladas, estradas requisitadas, inventários, listas de moradores e decisões administrativas que moldam o sul de Minas. Talvez por isso esta tenha se tornado, ao longo dos anos, a tabela mais procurada no site, foram 66.800 acessos: nela se cruzam a visão macro da política imperial e os detalhes concretos de lugares como Campo Lindo , Ponte Falsa , Serra do Carmo da Cachoeira , Varginha ainda chamada Espírito Santo das Catanduvas . O que em manuais ...