O Resgate da Memória em Milímetros: o Legado da Profª Leonor Rizzi
O Selo como Documento de Resistência Histórica
Os estudos de história costumam dar atenção aos grandes monumentos, às decisões políticas e às grandes crises econômicas. Porém, muitas vezes a identidade de um povo se apoia em coisas pequenas: objetos do dia a dia e iniciativas que, à primeira vista, parecem simples, mas guardam muito significado.
Em 15 de janeiro de 2008, Carmo da Cachoeira, no sul de Minas Gerais, viveu um desses momentos discretos e importantes. Naquela data, a professora Leonor Rizzi, referência na preservação da memória do município e na proteção animal, pediu à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) a criação de uma série de selos personalizados.
Esse gesto não foi apenas uma formalidade ou uma comemoração comum. Ao encomendar quatro modelos diferentes de selos para marcar o sesquicentenário da Instituição Canônica da Paróquia Nossa Senhora do Carmo, a professora Leonor encontrou uma forma concreta de resgatar a história local e afirmar valores éticos.
Ela usou a filatelia, que desde o século XIX costuma servir para divulgar grandes feitos nacionais, para destacar a história de uma única cidade. Em vez de exaltar conquistas de Estado, colocou em foco a vida da comunidade. Os selos não mostravam apenas a fé oficial da paróquia. Trazendo imagens da antiga arquitetura gótica já marcada pelo tempo, das comunidades mais afastadas do centro e do trabalho do GAPA (Grupo de Apoio e Proteção aos Animais), apontavam também para a responsabilidade com pessoas, espaços e animais.
Este texto busca apresentar e explicar esse episódio. A partir de registros locais, de blogs de memória cultural e de dados institucionais, mostraremos como um pequeno selo pode concentrar conflitos e escolhas entre progresso e memória, fé e prática cotidiana da compaixão, esquecimento e permanência.
2. O Contexto Filatélico e a Inovação da Personalização
2.1. A Democratização do Símbolo Nacional
Para entender a importância do lançamento desses Selos Comemorativos, é preciso olhar rapidamente para a história do correio no Brasil.
O país tem uma tradição filatélica importante: foi a segunda nação do mundo, e a primeira das Américas, a emitir selos postais adesivos, com a famosa série “Olho de Boi”, em 1843.
Durante mais de um século e meio, só o Estado decidiu o que seria retratado nos selos. Esse espaço era usado para homenagear governantes, eventos oficiais e grandes feitos considerados “nacionais”.
Com a virada do milênio, esse cenário começou a mudar.
Em 11 de abril de 2000, o Brasil voltou a se destacar ao criar os “Selos Personalizados”, tornando-se o quinto país do mundo a adotar esse recurso, seguindo o exemplo de países como Austrália e Suíça.
Essa novidade permitiu que instituições e pessoas comuns passassem a associar imagens escolhidas por elas aos selos oficiais. Na prática, a imagem estampada nas correspondências deixou de ser exclusiva do Estado e passou a abrigar também memórias locais, causas específicas e iniciativas individuais.
2.2. O Selo como Ferramenta Pedagógica em Carmo da Cachoeira
A escolha da Professora Leonor Rizzi por este suporte específico revela uma compreensão sofisticada da perenidade material. Diferente de cartazes comemorativos ou panfletos paroquiais, que são efêmeros e descartáveis, o selo postal possui vocação para a eternidade. Ele é catalogado, colecionado por filatelistas ao redor do globo e preservado em álbuns que atravessam gerações.
Ao optar pelos selos personalizados para o Sesquicentenário, Leonor não estava apenas decorando envelopes; ela estava inserindo a Paróquia Nossa Senhora do Carmo e as iniciativas cívicas de Carmo da Cachoeira nos anais da filatelia brasileira.
Ela transformou a história local em um documento oficial do Estado brasileiro, garantindo que, mesmo que as pedras da igreja caíssem ou que as memórias orais se desvanecessem, a imagem daquela comunidade permaneceria circulando.
3. A Arqueologia Visual: O Resgate da Fachada Gótica
3.1. O Trauma da Modernização Arquitetônica
Dois dos quatro modelos encomendados apresentavam um fundo preto, sobre o qual se destacava a representação da antiga fachada gótica da Igreja Matriz. Esta escolha estética e temática toca numa ferida comum a muitas cidades históricas brasileiras: a substituição de estilos arquitetônicos em nome de um suposto progresso ou de novas diretrizes eclesiásticas.
Os registros históricos indicam que a atual configuração da Igreja Matriz sofreu uma reforma significativa iniciada em 1946, sob o comando do Arcebispo de Mariana, Dom Helvécio Gomes de Oliveira, e posteriormente assumida pelos Missionários Redentoristas em 1948, com inauguração em 1949.
A "antiga fachada gótica" mencionada na encomenda dos selos refere-se, portanto, a esse estrato temporal anterior, uma memória visual que estava, conforme descrito, "caindo em esquecimento". O estilo gótico (ou neogótico), com sua verticalidade e arcos ogivais, evocava uma espiritualidade que buscava os céus, distinta da solidez mais horizontal ou barroca de outras épocas. A perda dessa fachada representava um apagamento da identidade visual dos antepassados da cidade.
3.2. O Papel do Artista Maurício José Nascimento
Diante da escassez de registros fotográficos de alta qualidade ou da impossibilidade de reverter as reformas físicas, a Professora Leonor recorreu à arte como meio de reconstrução histórica. O artista cachoeirense Maurício José Nascimento
O uso do fundo preto nos selos não deve ser interpretado apenas como um recurso de contraste. Semiologicamente, ele funciona como o "vazio" do esquecimento, do qual a imagem da igreja emerge luminosa graças ao traço do artista. Maurício José Nascimento não apenas desenhou um prédio; ele realizou um ato de arqueologia pictórica, devolvendo à comunidade a imagem do templo onde seus avós foram batizados e casados. A iniciativa de Leonor em valorizar um artista da terra ("prata da casa") reforça o caráter endógeno da celebração: a história da cidade sendo contada e reconstruída por seus próprios filhos.
Tabela 1: Comparativo das Representações Filatélicas do Sesquicentenário
| Modelo do Selo | Elemento Visual Central | Significado Histórico e Simbólico | Agente Criativo/Fonte |
| Selo Tipo 1 | Fachada Gótica (Antiga Matriz) | Resgate da memória arquitetônica pré-1946; resistência ao esquecimento do patrimônio demolido/reformado. | Maurício José Nascimento (Artista Plástico) |
| Selo Tipo 2 | Variação da Fachada Gótica | Reforço da identidade visual perdida; ênfase na estética verticalizada do período anterior. | Maurício José Nascimento (Artista Plástico) |
| Selo Tipo 3 | Santuário Mãe Rainha / São Pedro de Rates | Celebração da "Igreja Viva" e periférica; geografia da fé nos bairros; transição de devocionário para comunidade eclesial. | Fotomontagem (Acervo Comunitário) |
| Selo Tipo 4 | Animais / GAPA | Inserção da ética animal na moralidade cristã; reconhecimento do trabalho voluntário e cívico de proteção à vida. | Arquivo do GAPA / Campanha "Ligue 190" |
4. A Geografia Sagrada: Do Santuário à Comunidade São Pedro de Rates
4.1. O Espaço Físico da Devoção
O terceiro selo rompe com a nostalgia do passado arquitetônico para celebrar o dinamismo do presente. A estampa apresenta uma fotomontagem do espaço que originou a atual Comunidade São Pedro de Rates, identificado na época como o "Santuário Mãe Rainha". A precisão geográfica é fundamental para entender a inserção social dessa comunidade: o santuário situava-se na esquina da Rua Francisco de Assis Reis com a Rua Domingos Ribeiro de Rezende.
Essa localização não é aleatória. As ruas de Carmo da Cachoeira carregam os sobrenomes das famílias fundadoras e influentes (Reis, Rezende)
4.2. A Humanização da Fé: Os Nomes da Comunidade
A transição de "Santuário" para "Comunidade São Pedro de Rates" reflete o amadurecimento eclesial impulsionado pelo Concílio Vaticano II, que valorizou as comunidades eclesiais de base. O selo captura esse momento de efervescência. Diferente da Matriz, que é uma instituição de pedra e cal, a comunidade é feita de pessoas.
A pesquisa revela que a força motriz desse espaço não era o clero, mas os leigos. Nomes como Lane, Di, Moreira, Terezinha, Magda, Mariana F. Santana, Dinha, Luzia, Edmilson e Paulino surgem nos registros como os pilares desse acolhimento.
5. A Vanguarda Ética: O GAPA e a Revolução da Compaixão
5.1. O GAPA como Resposta à Barbárie
O quarto selo constitui, talvez, a faceta mais revolucionária da coleção. Dedicado aos animais e ao GAPA (Grupo de Apoio e Proteção aos Animais), ele insere a causa animal no coração das celebrações religiosas, algo extremamente avançado para o ano de 2008 em cidades do interior.
O histórico do GAPA é um testemunho da liderança civil de Leonor Rizzi. Fundado oficialmente em dezembro de 2001 (com estatuto e diretoria formalizados em 2002)
5.2. Números e Ações Concretas: A Campanha "Ligue 190"
O selo não celebrava apenas uma intenção vaga de "amar os bichos", mas resultados políticos e sanitários concretos. Sob a presidência de Leonor e com o apoio da comunidade, o grupo implementou campanhas de esterilização em massa que serviram de modelo para a região. Os registros apontam que, em uma das ações, 398 fêmeas caninas foram esterilizadas, além de felinos e machos.
Além das cirurgias, o GAPA travou uma batalha cultural. A campanha estampada nos cartazes da cidade — e evocada pelo espírito do selo — trazia a mensagem: "Protegido - Ligue 190 - Denuncie".
Tabela 2: Impacto e Estrutura do GAPA (Contexto 2001-2008)
| Dado / Indicador | Detalhe Histórico | Fonte / Referência |
| Data de Fundação | Dezembro de 2001 (Início das ações); Julho de 2002 (CNPJ) | |
| Liderança | Presidência de Profª Leonor Rizzi | Prompt do Usuário |
| Conquista Principal | Esterilização de 398 fêmeas caninas em campanha massiva | |
| Estratégia de Comunicação | Slogan "Protegido - Ligue 190 - Denuncie" | |
| Contexto Anterior | Sacrifício de animais de rua em cidades vizinhas |
6. A Guardiã da Memória: O Perfil de Leonor Rizzi e a Cultura Local
6.1. A Intersecção entre Fé, Educação e História
A figura da Professora Leonor Rizzi emerge de todos os documentos não apenas como a autora do pedido dos selos, mas como a curadora da identidade cachoeirense. Envolvida com o "Projeto Partilha"
Sua visão para o Sesquicentenário foi integradora. Ela não separou a história da igreja da história social. Para ela, celebrar 150 anos de paróquia exigia celebrar o prédio que caiu (memória), o povo que reza hoje (comunidade) e a ética que deve guiar o futuro (proteção animal). Essa visão holística é rara e denota uma intelectualidade refinada, capaz de unir pontas soltas da história local em uma narrativa coerente impressa em selos.
6.2. O Ecossistema de Preservação: Blogs e Arquivos
O trabalho de Leonor não ocorria no vácuo. Ele era sustentado e amplificado por uma rede de preservação cultural, exemplificada pelo blog "Carmo da Cachoeira - História e Cultura", mantido por Rícard Wagner Rizzi.
É interessante notar a ironia tecnológica: em 2008, enquanto a internet começava a dominar a guarda da memória (através de blogs e sites), Leonor optou por voltar ao papel, à cola e à tinta do selo.
Ela entendeu que o digital é volátil, mas o selo é físico. Ao fazer isso, ela garantiu uma camada extra de segurança para a história de Carmo da Cachoeira.
7. A Herança de 15 de Janeiro de 2008
A análise exaustiva dos eventos de 15 de janeiro de 2008 revela que a encomenda dos selos comemorativos foi um divisor de águas na autoconsciência histórica de Carmo da Cachoeira.
A Paróquia Nossa Senhora do Carmo, ao completar seu sesquicentenário, recebeu mais do que uma festa litúrgica; recebeu um espelho onde podia ver seu passado gótico, seu presente comunitário e seu imperativo ético de compaixão.
O legado da Professora Leonor Rizzi reside na materialidade desses pequenos retângulos de papel. Eles ensinam às novas gerações — que talvez nunca tenham visto a fachada antiga da igreja ou que desconheçam as lutas iniciais do GAPA — que a cidade onde vivem é fruto de camadas sucessivas de fé, arte e luta.
A recuperação da fachada pelo traço de Maurício José Nascimento e a eternização dos nomes dos voluntários da Comunidade São Pedro de Rates provam que a história não é um destino, mas uma construção diária.
Em última análise, esses quatro selos funcionam como cápsulas do tempo. Eles viajam, colados em cartas, levando a mensagem de que em Carmo da Cachoeira, no sul das Minas Gerais, a fé se manifesta tanto na pedra da igreja quanto no cuidado com o cão de rua, e que ambos são sagrados. A iniciativa de Leonor Rizzi permanece como um modelo de cidadania cultural, lembrando-nos de que preservar a memória é, antes de tudo, um ato de amor ao futuro.
Análise por IA GPT do texto: Leonor Rizzi e os Selos do Sesquicentenário de Carmo da Cachoeira
1. Quando o Estado “empresta” o símbolo e a comunidade preenche o conteúdo
O ponto de partida do texto é a lembrança de que, durante mais de um século, selo era coisa de Estado: só o governo decidia o que aparecia ali, e o espaço era reservado a heróis nacionais, datas oficiais e grandes feitos.
Quando surgem os selos personalizados, o que acontece, sociologicamente, é uma pequena “democratização” de um símbolo nacional: instituições e pessoas comuns passam a poder colocar suas próprias imagens ao lado da marca oficial do Estado.
Leonor Rizzi se aproveita justamente dessa brecha. Ela não cria um símbolo paralelo; ela entra no próprio sistema estatal (ECT, selos oficiais) e injeta ali a memória de Carmo da Cachoeira, da paróquia e do GAPA.
Em termos sociológicos:
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O Estado fornece forma e legitimidade: papel, selo, chancela oficial, catálogo filatélico.
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A comunidade fornece conteúdo e sentido: fachada gótica perdida, periferia religiosa, proteção animal.
O artigo insiste que, ao fazer isso, Leonor “transformou a história local em documento oficial do Estado brasileiro”.
Tradução: em vez de aceitar que só Brasília e as grandes narrativas ocupem o imaginário estatal, uma cidade pequena inscreve seus mortos, seus templos demolidos e seus cães de rua dentro do repertório de símbolos nacionais.
Isso é típico de ação comunitária que não rompe com o Estado, mas reaproveita os dispositivos estatais para interesses locais. Não é confronto aberto, é re-significação silenciosa.
2. A Igreja entre pedra, memória e “infantaria da fé”
O texto mostra uma tensão interna da própria Igreja:
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A Igreja como instituição que apaga memória
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A reforma de 1946–1949, comandada por hierarcas (arcebispo, redentoristas), altera profundamente a Matriz e apaga a antiga fachada gótica.
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Do ponto de vista da comunidade, isso é vivido como perda de identidade visual dos antepassados.
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A Igreja como espaço que abriga a experiência comunitária
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Os selos recuperam essa fachada “apagada”, por meio do artista local Maurício Nascimento, devolvendo aos fiéis a imagem do templo dos avós.
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Aqui, a restauração simbólica não vem da cúria, mas de uma professora, um artista da cidade e uma encomenda feita aos Correios.
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Na segunda parte, a Igreja aparece “virada para a base”: a Comunidade São Pedro de Rates, nascida do antigo Santuário Mãe Rainha, num cruzamento de ruas com sobrenomes de famílias locais.
O texto destaca que:
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A força motriz não é o clero, mas leigos concretos, com nome e sobrenome (Lane, Di, Dinha, Luzia, Paulino etc.
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O santuário funciona como extensão da casa, lugar de confidência e acolhimento.
Em linguagem sociológica simples: a Igreja institucional (hierarquia, reformas, decisões de cúpula) convive com a Igreja como rede comunitária, em que os leigos funcionam como “infraestrutura afetiva” da fé.
Ao colocar essa comunidade num selo, o texto interpreta o gesto de Leonor como uma espécie de “canonização laica” desses leigos: eles entram na memória oficial da paróquia e, por tabela, no sistema postal do Estado.
Então você tem:
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Uma instituição religiosa que, em certos momentos, apaga o passado (reforma da Matriz).
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A mesma instituição, recuperada e humanizada quando a base leiga e uma educadora se apropriam dos símbolos para contar outra história.
3. GAPA: quando a comunidade corrige a barbárie institucional
No trecho sobre o GAPA, a relação com o Estado fica bem mais clara. O texto é explícito: antes do GAPA, a política pública para animais era essencialmente matar bicho de rua de forma cruel.
Leonor e o grupo fazem três movimentos típicos de uma mobilização comunitária madura:
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Substituem uma prática estatal violenta por uma prática de cuidado
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Campanhas de esterilização em massa, com centenas de fêmeas caninas e outros animais operados.
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Isso altera a própria “demografia” animal da cidade, reduzindo sofrimento futuro.
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Usam o aparato do Estado a seu favor
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O grupo se formaliza (estatuto, CNPJ).
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A campanha “Protegido – Ligue 190 – Denuncie” amarra a proteção animal ao número da Polícia Militar.
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Na prática, se alguém maltrata animais, não é “problema privado”; vira assunto de polícia.
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Transformam um tema ético em tema religioso e comunitário
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O selo do GAPA é incluído dentro da comemoração do sesquicentenário da paróquia.
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Ou seja: maltratar animais é incompatível não só com a lei, mas com a fé da comunidade.
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Resultado: a comunidade ocupa um vazio do Estado (política de controle animal) e, ao mesmo tempo, civiliza o próprio Estado, obrigando-o a enxergar o bicho como “sujeito de direito” que pode acionar o 190, ainda que por meio da denúncia humana.
Aqui, Igreja e Estado aparecem alinhados porque são atravessados pelo mesmo núcleo comunitário: o grupo que reza, organiza o GAPA, pressiona o poder público e cola selo em carta é, em boa parte, o mesmo povo.
4. Selos, blog e memória: três níveis de mediação
Outro ponto socialmente interessante é a coexistência de três camadas de guarda da memória:
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A camada digital, representada pelo próprio blog “Carmo da Cachoeira – História e Cultura”, que documenta genealogias, hinos locais, campanhas e a própria história dos selos.
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A camada institucional, em que a paróquia registra datas, reformas, capelães, eventos oficiais.
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A camada filatélica, onde a memória local entra no circuito estatal de longa duração (catálogos de selos, coleções etc.).
O texto quase faz uma crítica irônica à fragilidade da internet: o digital é volátil; o selo é físico.
Sociologicamente, isso mostra uma desconfiança (bem razoável) em relação à capacidade das grandes infraestruturas informacionais de preservar memória de cidades pequenas. A aposta é em redundância:
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Se o blog cair, o selo continua em álbuns de filatelistas e arquivos dos Correios.
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Se a igreja fisicamente ruir, a fachada antiga continua desenhada.
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Se o Estado esquecer a campanha do GAPA, o selo ainda testemunha que, um dia, aquela comunidade decidiu que bicho de rua não é lixo.
5. Em que sentido o artigo mostra uma “sociedade ativa” e não só instituições?
No conjunto, o texto constrói Leonor Rizzi como figura-síntese de três papéis sociais:
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Educadora (escola, genealogia, projeto Partilha).
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Mediadora religiosa (articula paróquia, comunidades de base, devoção mariana).
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Liderança cívica (GAPA, campanhas, uso do 190, selos).
Isso foge da imagem clássica de Estado que “faz” e povo que “recebe”. Na leitura sociológica do artigo:
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O Estado é frequentemente reativo: abre o programa de selos personalizados, mas não decide o conteúdo; recebe a pressão do GAPA e adapta práticas.
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A Igreja oscila entre imposição institucional (reforma da Matriz) e abertura às bases (comunidade São Pedro de Rates).
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A comunidade organizada é quem puxa o fio: ela usa o correio estatal, negocia com a hierarquia religiosa, mobiliza a polícia, articula blog, campanha, selo e memória.
A conclusão do texto, aliás, é bem sociológica sem usar essa palavra: os selos são “cápsulas do tempo” que ensinam às novas gerações que a cidade nasceu de camadas de fé, arte e luta, e que cuidar do templo e do cão de rua faz parte do mesmo horizonte ético.
Em termos simples: o artigo mostra uma comunidade que não espera benevolência do Estado nem apenas orientação da Igreja. Ela negocia, pressiona, ocupa espaços simbólicos e, no fim, força essas instituições a se comportarem um pouco melhor do que fariam por conta própria.
Ou seja: para variar, quem salva a honra das instituições não são as instituições, mas o povo organizado.
